domingo, 25 de novembro de 2012

Penso, logo existo.


De há muito tinha notado que, pelo que respeita à conduta, é necessário algumas vezes seguir como indubitáveis opiniões que sabemos serem muito incertas, (...). Mas, agora que resolvera dedicar-me apenas à descoberta da verdade, pensei que era necessário proceder exatamente ao contrário, e rejeitar, como absolutamente falso, tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida, a fim de ver se, após isso, não ficaria qualquer coisa nas minhas opiniões que fosse inteiramente indubitável. Assim, porque os nossos sentidos nos enganam algumas vezes, eu quis supor que nada há que seja tal como eles o fazem imaginar. E porque há homens que se enganam ao raciocinar, até nos mais simples temas de geometria, e neles cometem paralogismos, rejeitei como falsas, visto estar sujeito a enganar-me como qualquer outro, todas as razões de que até então me servira nas demonstrações. Finalmente, considerando que os pensamentos que temos quando acordados nos podem ocorrer também quando dormimos, sem que neste caso nenhum seja verdadeiro, resolvi supor que tudo o que até então encontrara acolhimento no meu espírito não era mais verdadeiro que as ilusões dos meus sonhos. Mas, logo em seguida, notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, eu, que assim o pensava, necessariamente era alguma coisa. E notando esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos céticos seriam impotentes para a abalar, julguei que a podia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que procurava. René Descartes, in 'Discurso do Método'

domingo, 11 de novembro de 2012

“Interser”

“Se você for um poeta, verá claramente que há uma nuvem flutuando nesta folha de papel. Sem uma nuvem, não haverá chuva; sem chuva, as árvores não podem crescer e, sem árvores, não podemos fazer papel. A nuvem é essencial para que o papel exista. Se ela não estiver aqui, a folha de papel também não pode estar aqui. Logo, nós podemos dizer que a nuvem e o papel intersão. “Interser” é uma palavra que não está no dicionário ainda, mas se combinarmos o prefixo “inter” com o verbo “ser”, teremos este novo verbo “interser”. Sem uma nuvem, não podemos ter papel, assim podemos afirmar que a nuvem e a folha de papel intersão.

Se olharmos ainda mais profundamente para dentro desta folha de papel, nós poderemos ver os raios do sol nela. Se os raios do sol não estiverem lá, a floresta não pode crescer. De fato, nada pode crescer. Nem mesmo nó podemos crescer sem os raios do sol. E assim nós sabemos que os raios do sol também estão nesta folha de papel. O papel e os raios do sol. intersão. E, se continuarmos a olhar, poderemos ver o lenhador que cortou a árvore e a trouxe para ser transformada em papel na fábrica. E vemos o trigo. Nós sabemos que o lenhador não pode existir sem o seu pão diário e, conseqüentemente, o trigo que se tornou seu pão também está nesta folha de papel. E o pai e a mãe do lenhador estão nela também. Quando olhamos desta maneira, vemos que, sem todas estas coisas, esta folha de papel não pode existir.

Olhando ainda mais profundamente, nós podemos ver que nós estamos nesta folha também. Isto não é difícil de ver, porque quando olhamos para uma folha de papel, a folha de papel é parte de nossa percepção. A sua mente está aqui dentro e a minha também. Então podemos dizer que todas as coisas estão aqui dentro desta folha de papel. Você não pode apontar uma única coisa que não esteja aqui- tempo, espaço, a terra, a chuva, os minerais do solo, os raios do sol, a nuvem, o rio, o calor. Tudo coexiste com esta folha de papel. É por isto que eu penso que a palavra interser deveria estar no dicionário. “Ser” é interser. Você simplesmente não pode “ser” por você mesmo, sozinho. Você tem que interser com cada uma das outras coisas. Esta folha de papel é porque tudo o mais é.

Suponha que tentemos retornar um dos elementos à sua fonte. Suponha que nós retornemos ao sol os seus raios. Você acha que esta folha de papel seria possível? Não, sem os raios do sol nada pode existir. E se retornarmos o lenhador à sua mãe, então também não teríamos mais a folha de papel. O fato é que esta folha de papel é constituída de “elementos não-papel”. E se retornarmos estes elementos não-papel às suas fontes, então absolutamente não pode haver papel. Sem os “elementos não-papel”, como a mente, o lenhador, os raios do sol e assim por diante, não existirá papel algum. Tão fina quanto possa ser esta folha de papel, ela contém todas as coisas do universo dentro dela.”

Autor: Thich Nhat Hanh

domingo, 4 de novembro de 2012

Como dar vida às nossas vidas.

Há um antigo ditado japonês:
"Se houver relacionamento, faço; se não houver relacionamento, saio".
Um Mestre Zen, no final do século passado, fez a seguinte alteração:
"Havendo relacionamento, faço; não havendo, crio relacionamento"

Essa mudança de paradigma é extremamente importante. Devemos também lembrar que criar um relacionamento não significa, necessariamente, obter resultados imediatos, embora muitas vezes estes ocorram.

Novos relacionamentos em padrões antigos perdem seu significado. Precisamos criar relacionamentos a partir de novas maneiras de nos relacionar, de ver o mundo, de ser, de inter ser. Essa nova maneira pode, inclusive, recarregar de energia positiva antigos relacionamentos.

Para descobrirmos novas maneiras precisamos, primeiramente desenvolver a capacidade de perceber como estão nossos relacionamentos atuais.

Observe e considere meticulosamente a si mesmo. Perceba como está se relacionando em casa, na rua, no trabalho, no lazer. Perceba como respira, como anda, como toca nos objetos, como usa sua voz, como são seus gestos e como são seus pensamentos e os não pensamentos. Esse observar não deve ser limitante, constrangedor, confinador. Apenas observe. Como você se relaciona com o meio ambiente, biodiversidade, reciclagem, justiça social, melhor qualidade de vida, guerras, violência, terror, paz, harmonia, respeito, garantia dos Direitos Humanos? Como você e o seu logos se relacionam entre si e em relação aos projetos de sucesso, de lucro, de desenvolvimento e progresso de sua organização?

Como está se relacionando com o mais íntimo de si mesmo, com a essência da Vida, com o Sagrado?

Será que é capaz de ver, ouvir, sentir e perceber a rede de inter relacionamentos de que é feita a vida? Percebe e leva em consideração, na tomada de decisões, a interdependência?

Tanto individualmente, como no coletivo, nossa participação e compreensão como estão? Será que estamos conscientemente vivendo nossas vidas e direcionando nossos pensamentos, ações e palavras para o sentido de mudança que queremos e sonhamos?

Mahatma Gandhi disse: "Temos de ser a transformação que queremos no mundo".

Geralmente pensamos no mundo como alguma coisa distante e separada de nós, mas nós somos a vida do universo em constante movimento. Podemos até dizer que o mundo somos nós. Nossa vida forma o mundo, é o mundo, não apenas está no mundo. Inclui todas as formas de vida e seus derivados e nos inclui neste instante, instante após instante. Há um monge chinês do século VII, Gensha Shibi , que dizia : "O Universo é uma jóia arredondada. Somos a vida desse universo em constante transformação. Nada vem de fora, nada sai para fora".

De momento a momento tudo está mudando, nós fazemos parte dessa mudança e podemos escolher, discernir qual o caminho que queremos dar a esse constante transformar. É por isso que digo que a transformação começa em nós. Na verdade vai além de apenas começar. É em nós. Nossa capacidade humana de inteligência e compreensão nos permite fazer escolhas. E o que estamos escolhendo?