domingo, 26 de setembro de 2010

UM "INTRUSO" NO NINHO

Aceitando ao convite de um amigo, fui comer um caruru. Tradicional no mês de setembro pelos adeptos do candomblé em homenagem aos Ibeji – São Cosme e São Damião, no sincretismo religioso.


Em princípio fiquei meio relutante em aceitar a gentileza. Cheguei a ensaiar algumas desculpas para uma provável ausência, mas como fui repreendido algumas vezes pelo autor do convite por frases como: “você nunca aceita nossos convites” ou mesmo “você é cheiro-mole!” *, resolvi comparecer nessa oportunidade e foi aí que começou a minha agonia.

Chegando ao local dos festejos, que também funciona como terreiro de candomblé, fui imediatamente ao encontro da dona da casa que, como sempre, me recebeu de braços abertos.

Subimos para a laje, que já tinha um público considerável. No centro do terreiro, um grande lençol branco, estendido no chão, acomodava alguns pratos bem cheios da comida da festa aguardando os espíritos que se “alimentariam” sobre o pano estendido. Não faziam dez minutos da minha presença na festa quando escutei, bem ao meu lado, um brado forte e agudo... – Êhh, iiiiihhhh, era a anfitriã sendo verdadeiramente tomada por uma entidade que atendia pelo nome de Crispina. Foi a deixa para as outras manifestações. Quando me dei conta já eram dez os médiuns manifestados.

Confesso ter ficado um tanto quanto assustado com tamanha quantidade de manifestações simultâneas e com o comportamento dos manifestados. Eram extremamente expansivos. Gritavam, pulavam, corriam, jogavam comida um no outro, brincavam com os convidados, agiam e se comunicavam como crianças entre três e sete anos de idade. Uma cena surreal para um estudante da doutrina codificada por Kardec e completamente adaptado à rigidez comportamental dos médiuns em transe que é pregada e, acima de tudo, cumprida na casa em que trabalho.

Por saber, desde o princípio, que aquilo tudo poderia acontecer e percebendo que eu era o único a não me divertir com todos aqueles acontecimentos, resolvi deixar, por alguns minutos, de ser um observador com certo conhecimento dos mecanismos das comunicações entre os dois mundos, material e espiritual, e passei a me comportar como um legítimo leigo no assunto, somente interessado nas caracterísiticas daquele fenômeno. A partir dessa decisão passei a entender o trecho de uma música que diz “Pra entender o erê, tem que tá moleque...”, ou seja, livres de qualquer idéia preconcebida sobre aquele “show”. Após essa acertada decisão consegui até dar umas risadas e observar a beleza dos rituais desta crença de matriz africana. Eu, como negro e baiano e espiritualista, não poderia me permitir um comportamento refratário.

Alguns minutos depois deixei o local e voltei para a minha realidade, o que me trouxe uma dúvida persistente até hoje que gostaria de compartilhar com você que está lendo. Passado o fenômeno, me pergunto: quem precisa mais de esclarecimentos acerca do assunto “comunicações espirituais”, os espíritos comunicantes, que ainda não conseguiram perceber o estágio que se encontram e, a partir daí, buscar uma compreensão mais aprofundada do progresso; o médium que, desconhecendo a beleza, a profundidade e a seriedade da faculdade mediúnica, se permite ser verdadeiro fantoche nas mãos desses irmãos desencarnados; ou eu, que não consegui entender a necessidade daquelas pessoas passarem por aquele momento?

(*) Indivíduo que não cumpre com o que promete.

Autor: Ivan Cézar

Gostaria da ajuda de vocês para compreender a diversidade das manifestações mediúnicas. Aguardo os comentários!

8 comentários:

  1. Oi Ivan...adorei seu desabafo. Pena não poder contribuir para o esclarecimento da pergunta. Pareceu-me uma pergunta válida e legitima para quem labuta nesse processo de comunicação que envolve dimensões tão diferentes. Como leiga, atualmente, penso que a espontaneidade não exclui a educação; a alegria não exclui a responsabilidade. Então, se o que viu na festa trazia essas combinações, talvez tudo esteja certo e na mais perfeita ordem. Abs para vc e para todos do Lar João Batista.

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  2. Oi Alice!
    Esse texto foi escrito há dois anos, época em que ainda tinha uma visão um pouco fragmentada do universo em que estamos inseridos. Graças ao bom Deus e a ajuda de pessoas que me serviram como verdadeiros "gurus", pude apurar a minha visão e abrir o meu coração para as variedades de manifetações mediúnicas. Hoje entendo, quase que perfeitamente, que pouco importa a religião que você professa, ou mesmo se segue uma religião, importa, de verdade, o sentimento que carregamos intimamente.
    Talvez se eu já tivesse conhecimento do texto de Cecília Meireles ("Não entendo") as coisas seriam mais tranquilas.
    Depois dessa reflexão que fui me compreender como uma peça do grande Todo, um ser holístico!

    Grande abraço e obrigado pela participação!

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  3. " A mediunidade pode manifestar-se através de pessoa absolutamente inculta, mas os bons espíritos são de parecer que todos os médiuns são chamados a estudar, a fim de servirem com mais segurança."
    Palavras do sábio Chico Xavier...
    Precisamos todos de estudo e esclarecimento, sempre!
    É o que tenho aprendido...
    Belo texto! Parabéns!

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  4. Caro Ivan,
    Excelente reflexão! No relato dessa sua rica experiência que, generosamente, partilha conosco, vejo que você agiu com sabedoria, abstendo-se do julgamento que fragmenta e escolhendo o caminho do aprendizado que integra.
    Penso que “tudo está certo”, sobretudo porque, “uma folha não cai se não for pela vontade do Pai” e para fortalecer ainda mais essa perspectiva, recorro ao Princípio da Correspondência e da Polaridade, que nos alerta: O que está em cima é como o que está embaixo, e o que está embaixo é como o que está em cima. Tudo é Duplo; tudo tem pólos; tudo tem o seu oposto; o igual e o desigual são a mesma coisa; os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em grau; os extremos se tocam; todas as verdades são meias-verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados...

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  5. Irmãos,

    Como disse o amigo Jorge Amaral: “uma folha não cai se não for pela vontade do Pai”. Tudo é necessário e segue um cronograma evolutivo. Um dia não mais haverá manifestações desse tipo e forma, lembremos que no tempo de Kardec as manifestações ocorriam através de batidas de mesas, etc. Hoje a comunicação em alguns meios mais evoluídos ocorrem de forma mais sutil e confiável. E mais na frente surgirão novas formas de manifestações, mais confiáveis do que as que já temos praticado. Já que, por mais que estudamos estamos susceptível ao engano, como diz o ditado popular: "comendo gato por lebre". Temos irmãos hoje que se consulta até com Obsessores achando que é Guia Espiritual.
    Caminhemos pois temos muito caminho a percorrer.
    Um Abraço a todos.

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  6. Realmente o importante é a fé. Sem ela o homem estaria fadado a extinção. Não critico a religião deles nem sou contra. Mas eu acho que um pouco de disciplina, não faz mal a ninguém.
    Já passei por uma situação, em que uma médium incorporada ( do candomblé) disse coisas da minha vida na frente de pessoas desconhecidas e conhecidas e me senti muito ofendido e decepcionado. Se eu tenho meus erros, gostaria que as pessoas chega-sem para mim "particularmente" e conversassem. Um puxavão de orelha seria legal! Mas uma exposição jamais!!
    Fiquei profundamente magoado, e decepcionado. Coincidentemente foi no dia de um caruru.

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  7. Querido amigo, bom dia!
    Muito obrigado pelo comentário.
    Acredito que cada um de nós deve buscar compreender o que nos agrada ou não. No caso da sua experiência, vamos verificar que em qualquer religião que "lida" com os espíritos existem os médiuns e os MÉDIUNS. Esses que escrevi em "caixa alta" são as pessoas conscientes da sua faculdade e do seu papel perante o próximo. Os que não se deixam fazer de joguetes de entidades mal educadas. Deveriam ser maioria.
    A questão é que existe também a nossa participação nisso tudo, quando entramos na mesma faixa vibratória de entidades pouco educadas.
    O Candomblé é belo. Infelizmente existem pessoas que personificam a ritualística original dessa religião e transformam nessa panacéia que as vezes encontramos em certos locais.

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  8. MISIFI,

    O importante não é quando e como você entra. Mas, o quanto de imune e melhorado você sai dos ambientes e espaços ocupados pelos filhos de Deus, nossos irmãos!

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