domingo, 3 de julho de 2011

Comunicação Saudável

Nossa tendência em apreciar, avaliar e julgar, expressando aprovação ou desaprovação às afirmações, posturas e condutas das pessoas ou grupos, é percebida por alguns estudiosos como o maior entrave às comunicações interpessoais. Esta tendência intensifica-se na medida em que o assunto mobiliza emoções e sentimentos não idênticos; assim, a presença destes elementos reduz a possibilidade de haver uma plena comunicação, pois haverá dois juízos de valor, cada um originário de um quadro de referência psicológico, o que os torna impossíveis de serem partilhados.

Esta percepção pode ser confirmada na experiência comum, quando um observador não envolvido emocionalmente assiste a uma acalorada discussão. Sua conclusão mais frequente é de que os discutidores não estão falando sobre o mesmo assunto, ou apenas estão tomados por preconceitos. Neste caso, há uma luta centrada em pontos de vista, nenhuma escuta, e portanto, falta uma autêntica comunicação.

Para que possa ocorrer uma verdadeira comunicação é preciso ouvir com compreensão, o que equivale a realizar a árdua tarefa de perceber a idéia e a atitude expressas dentro da moldura psicológica do seu interlocutor. Tal habilidade, que pode ser construída ou aperfeiçoada, sabe-se psicologicamente, tem um imenso poder de auxílio. À medida que apreendemos do discurso de alguém, aquilo que o gerou – medo, entusiasmo, preconceito, pensamento integrativo, mágoa, satisfação, e assim por diante – e identificamos o seu significado, nosso contato adquire características terapêuticas e educacionais com alta resolutividade.

Um exercício prático recomendado é ficar atento a si mesmo, e, antes de entrar num clima de discussão ao ouvir opiniões, repetir com suas próprias palavras aquilo que ouviu do seu interlocutor e indagar se era exatamente o que foi dito, e só emitir o seu ponto de vista, após a aprovação do outro. Esta atitude reduzirá muito os desencontros da comunicação e possibilitará uma real percepção das semelhanças e diferenças de pensamentos e sentimentos.

Para executar tal exercício, é preciso coragem, pois ao entrarmos no mundo intimo do outro e perceber a vida por sua, corremos o risco de nós próprios mudarmos e, para a maioria de nós, isto parece ameaçador e desestruturante.

Em nossas comunicações, tendemos a preservar a nossa mundividência, - crenças, valores e afetos nela incluídos – e adotamos condutas cem por cento defensivas. Assim, transformamos a nossa realidade pessoal em universal e egocentricamente nos posicionamos como se os outros estivesse totalmente equivocados. Um modelo extremo deste jeito de ser foi bem exemplificado na frase: existem dois grupos de pessoas, o que concorda comigo e o que está errado.

Para tornar uma comunicação mais saudável, é preciso fazer corresponder cada vez mais refinadamente a experiência, a consciência e a comunicação. A esta correspondência, os psicólogos humanistas denominam congruência. Isto pode ser percebido observando-se uma criança recém-nascida com fome. Ela comporta-se integradamente de tal forma que se torna transparente, verdadeira, unificada e idêntica no nível fisiológico, na consciência e na comunicação. Um exemplo oposto é o adulto de rosto congesto, tom de voz irritado, que categoricamente afirma estar calmo, limitando-se a apresentar a lógica e os fatos pertinentes. Se ele estiver sendo verdadeiro em sua fala, demonstra que sua consciência não apreende sua emoção no nível visceral. Se ele estiver sendo falso, significa que há incoerência entre a experiência e a comunicação. Esta contradição entre o verbal e o não-verbal dá margem a leituras contraditórias da mensagem ou discurso e enormes dificuldades nas relações interpessoais.

Um outro aspecto fundamental na comunicação decorre da necessidade humana de aceitação tal como se é, e da confiança ou desconfiança em uma relação. De um modo geral, nós hesitamos em nos mostrar como estamos intimamente, pois tememos a rejeição, a desaprovação e a constatação do não pertencimento ao grupo. Assim, nos acautelamos em nossa comunicação e possibilitamos a existência demais um alto grau de incongruência em nossa existência relacional.

À medida que tomamos consciência do que realmente somos, além dos estágios de desenvolvimento em que nos encontramos, nos tornamos mais autônomos psicologicamente e construímos uma mundividência cosmocentrada, nossa segurança e liberdade crescem e nossa coerência entre o sentir, o pensar e o falar se ampliam, permitindo-nos expressar-nos com mais autenticidade.
Uma variável relevante na comunicação é a prevalência de uma determinada função psíquica, que determina a existência de dois tipos psicológicos. O tipo intuitivo sentirá dificuldade em apreender o modus operandi do tipo sensação e vice-versa. O tipo pensamento, por sua vez, poderá se confundir com as expressões do tipo sentimento e vice-versa. O conhecimento e o exercício depercepção do outro auxiliarão a minimizar tais barreiras da comunicação.

Uma outra observação relevante no processo da comunicação é a constatação que estamos em níveis evolutivos de consciência hierarquicamente diferentes. Assim, é possível entender que o sábio compreenderá, mas não será compreendido pelo ignorante; o pacífico entenderá o guerreiro, mas não encontrará reciprocidade; o gênio apreenderá o mundo do medíocre, mas será isolado pelo mesmo, e assim sucessivamente.

Tais constatações nos permitem afirmar que ainda estamos distantes da autêntica comunicação. Educar-se para vivê-la faz parte das metas evolutivas de quem pretenda conhecer a plenitude.

Autor: André Luiz Peixinho
Texto publicado no Jornal À Tarde de 29/05/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente: