quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Uma reflexão sobre oráculos

Aproveitando o clima de Ano Novo quero dividir com vocês um tema bem pertinente a essa época. Nas últimas três semanas amigos, principalmente os jornalistas, têm me perguntado por questão profissonal ou apenas curiosidade qual é o orixá que vai reger 2012 ou sobre rituais para a passagem de ano. É um assunto sobre o qual tenho muito cautela na hora de responder e já digo porquê.

Uma certa feita fui procurada por um colega que queria que eu indicasse um terreiro de candomblé para onde seriam levadas três bandas de música em início de carreira para que fossem feitas previsões com o uso de búzios sobre as suas possibilidades de sucesso. No final do ano, iríamos checar se as previsões se concretizaram.

Eu, gentilmente, lhe respondi que as sacerdotisas e sacerdotes que conheço jamais iriam aceitar uma proposta como essa. Ele me disse que entendia, mas notei que ficou um pouco insatisfeito.

Por isso, estava com muita vontade de dividir esse tema com vocês, afinal tem muita gente de candomblé que acompanha esse blog.

Lembro que há alguns anos fiz uma matéria para o jornal A TARDE a pedido de sacerdotisas e sacerdotes de candomblé que estavam preocupados exatamente com o que chamam de “banalização” de oráculos como o jogo de búzios.

Para alguns deles, é incômodo ver as famosas previsões nas mais variadas mídias sobre possíveis catástrofes, resultados econômicos e, principalmente, a vida pessoal de celebridades.

O tata de inquice, Anselmo dos Santos, do Terreiro Mokambo me contou que foi convidado pela produção de um telejornal local para jogar os seus búzios e responder se o Bahia e o Vitória iriam voltar para a primeira divisão do campeonato de futebol nacional. Sua resposta foi a seguinte:

“Meus búzios são coisa muita séria para responder sobre futebol. Agora se vocês quiserem me chamar para falar em um matéria sobre a importância deles na nossa religião e o seu sentido estou à disposição”. A proposta,curiosamente, não foi aceita.

Pai Air José, babalorixá do Pilão de Prata também tem uma posição parecida. Tataraneto do celébre Bamboxé Obitikó e oluô (sacerdote de Ifá) por herança e vocação, ele me deu uma longa entrevista para um matéria sobre a importância do oráculo e explicava que não poderia falar sobre o que ia acontecer com o então presidente Lula se ele não estava à sua frente na hora do jogo consultivo.

O sábio professor e religioso do candomblé Jaime Sodré gosta de lembrar que embora a expressão conhecida seja “jogo de búzios” na verdade eles fazem a confirmação do que a alta sacerdotisa ou alto sacerdote, preparado para esta ação, enxerga com a sua clarividência, uma virtude que não é compartilhada por todo mundo.

Sobre o orixá que vai reinar lembro que Pai Air me disse que só dá para saber sobre uma coisa que começou, ou seja, no primeiro dia de um novo ano. Para muitas comunidades religiosas, o reinado da divindade se refere ao seu território específico, ou seja, seu terreiro, daí que os seus líderes se reservam ao silêncio quando procurados para entrevistas a meios de comunicação sobre qual orixá vai reinar no ano.

Comecei a observar que muitas vezes os jornais, revistas e TVs fazem matérias com base num cálculo que leva em conta o número em que termina o ano ou o dia da semana em que ele começa para indicar a divindade que vai reinar.

Será que este não é um tema, então, sobre o qual devemos ter cada vez mais cuidado? Afinal, o jogo de búzios e as coisas que eles indicam são uma das coisas mais complexas do candomblé. Pode ser uma boa reflexão para esse novo ano.

Autora: Cleidiana Ramos

Até quando vamos tranferir nossas responsabilidades ao chamado "sobrenatural"? 

Um comentário:

  1. Muito interessante essa reflexão sobre Oraculos, precisamos mesmo que as pessoas que conhecem, falem sobre, para assim, poder ambliar nossa visão e sairmos do achismo, do julgamento. Gostei, PARABÉNS!

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