domingo, 13 de janeiro de 2013

A Ritualização da Doutrina



“Se eu quiser falar com Deus tenho que ficar à sós...”.
Gilberto Gil.


Ao iniciar a sua missão de codificar as mensagens provenientes dos Espíritos Luminosos, que mais tarde ganharia corpo e tornar-se-ia o que hoje conhecemos como Doutrina Espírita, a primeira atitude tomada por Allan Kardec foi afastar qualquer possibilidade de frivolidade no trabalho. Para um homem de ciências, para que tudo pudesse ser feito com a maior seriedade possível, era uma necessidade premente adotar os métodos científicos de pesquisa.

As reuniões mudaram de lugar. Aqueles que somente queriam se divertir com o “fenômeno” foram, amorosamente, convidados a sair, restando somente pessoas que pretendiam participar de um sério trabalho baseado na ciência. Assim estava formada a equipe, encarnada e desencarnada, que seria responsável pelo “Livro dos Espíritos”.

Na “Viagem Espírita de 1862” , o insigne codificador deixa bem claro que nesta nova doutrina não haveria necessidade de práticas ritualísticas que caracterizavam as religiões àquela época. Nada de velas, imagens, incensos, vestimentas especiais, cânticos ou qualquer outro artifício que tirasse o foco do Espiritual.

Avançamos por 157 anos após o lançamento da sua obra basilar e me inquieto questionando: O que fazemos do Espiritismo no século XXI?

Verificamos uma gama demasiadamente extensa de instituições (à mercê de personalismos, é bom que se diga) que não conseguem desempenhar a maioria dos seus trabalhos sem que uma prática ritualística não tenha sido incorporada à tarefa.

São palestras doutrinárias que não podem ser iniciadas se não tocar determinada música. O passista que precisa vestir branco. O paciente que precisa tirar os sapatos se quiser ser atendido. A mediúnica que só funciona se a luz azul estiver acesa...

Alguém, por favor, poderia me informar em que trecho da codificação Kardec e os bons espíritos nos dão tais instruções?

Certa feita, fazendo uma palestra, resolvi provocar o público perguntando sobre o trabalho mediúnico e lancei a pergunta: Qual deve ser a cor da toalha da mesa em uma mediúnica? Logo as opiniões mais diversas começaram a brotar no salão. Até que alguém gritou do fundo “só não pode ser preta”. Eu perguntei o porquê e a resposta foi “por conta da circulação das energias”. Como baiano legítimo, eu resolvi colocar um pouco de pimenta e retruquei: “E se a minha pela for negra, como farei?”. A resposta, desta vez, foi o silêncio. Aliás, onde está escrito que as mediúnicas precisam, necessariamente, de uma mesa?

O fato é que muitas vezes repetimos o que ouvimos ou vemos outras pessoas fazerem, sem ao menos nos perguntar se aquilo faz sentido. Para louvar a Deus não há necessidade alguma de ajoelharmos ou ficarmos de mãos juntas em frente ao rosto. A oração é um ato interior.

No modus operandi espiritista o que importa é a mensagem e a renovação que pode ser proporcionada por ela. Demonstrar para alguém as minhas atitudes exteriores de fé é puro exercício da vaidade. Deus, através do nosso Mestre Amado, nos ensina a conversar com ele em particular, no íntimo do nosso ser e dentro da particularidade de cada um.

“Ide e agradecei a Deus a gloriosa tarefa que Ele vos confiou; mas, atenção! entre os chamados para o Espiritismo muitos se transviaram; reparai, pois, vosso caminho e segui a verdade.” ESE – Cap XX; Item 04.

Infelizmente há, de forma explícita ou implícita, a prática dos rituais numa grande parcela das instituições que já conheci, porém, se em alguma delas você for impedido de fazer determinado trabalho por estar vestindo determinada cor, calçado ou descalço, de cabelo penteado ou desarrumado, desconfie. Busque Kardec e todas as suas dúvidas, assim como as minhas, serão dirimidas com base nos ensinos cristãos.

Autor: Ivan Cézar

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