domingo, 10 de novembro de 2013

Samurai da Paz

Paz não é ausência de conflito, bem sabemos. O seu oposto é estagnação, como indica a sabedoria perene do I Ching, da tradição chinesa. Assim, paz é a presença de movimento, é o triunfo do processo, é ser capaz de se ancorar no Agora transtemporal, dádiva e dom do Instante.

Samurai significa servidor da paz. A diferença entre Gandhi e Hitler é que o último lutou pela sua autoglorificação. Enquanto o Mahatma lutou por tudo e todos, pelo Ser. Abrir-se e disponibilizar-se para o bom combate, ser ativista da paz, eis o imperioso desafio!

Chouraqui traduziu o termo bem-aventurança, a partir do hebraísmo autêntico, pela expressão inspiradora, Em marcha! Em marcha os humildes, os ternos, os justos, os artesãos da paz! Como dizem os bons navegantes, o único naufrágio é não partir. A maior desgraça é a pretensão de que chegamos, de que sabemos. Trata-se de evoluir da arrogância do suposto saber para a elegância do buscar...

Rumi e Nietzche indicavam a travessia evolutiva através de três símbolos: o do camelo, o do leão e o da criança. Nas trilhas iniciáticas, principiamos pelo camelo, o que sabe ajoelhar-se e possui a dignidade de colocar-se a caminho, na travessia do deserto das ilusões. Esta é a etapa da busca. O leão da realeza brota na fase do encontrar, com o seu rugido de destemor e de inteireza. Finalmente, a criança representa o poder invencível da Inocência, nosso semblante de eternidade, do Sim original.

No hebraico, a expressão Shalôm, que significa paz, e Shalem, inteireza, convergem. A paz, portanto, é uma expressão natural da consciência de inteireza. Tudo que é inteiro é pacífico, é belo, é saudável, é sagrado. Eis a importância imprescindível de uma abordagem holística na proposta de uma educação para a paz e não-violência!

Que armas? Segundo a sabedoria crística, é necessário oferecer a outra face. Quando num contexto hostil, o animal tem duas reações instintivas: atacar, com fúria, ou fugir, com medo. Esta é a atitude dominante no palco triste onde se desenrola o drama trágico de uma humanidade normótica, subhumana. A outra face é a humana: a face da consciência, da responsabilidade, da transparência, do amor compassivo. Eis as armas de Luz, que triunfam no Apocalipse de João. Apocalipse de Jesus Cristo significa, literalmente, revelação ou desvelamento de Jesus Cristo, do arquétipo supremo de integração dos opostos e de síntese, no interior de cada um de nós.

Quando estive, no início deste ano de 2005, na Turquia, fiquei muito tocado com as paisagens da Capadócia. Em suas montanhas, formadas de lavas de antigos vulcões, encontram-se centenas de igrejas, cavadas no segredo das rochas. Em todas elas podemos contemplar os ícones complementares do Arcanjo Miguel e de São Jorge. Com suas espadas luminosas, temperadas no aço do discernimento e das virtudes irmanadas da justiça e da misericórdia. Arquétipos do Samurai da Paz, que lutam, destemidamente, nos nossos infernos interiores e exteriores, contra o dragão do ego, da egolatria. Como esclarece o mitologema de São Jorge, não se trata de destruir o Diabolos, o ego da discórdia e da separatividade. A tarefa, bem menos fácil, é a de cativá-lo, para que as suas forças estejam a serviço da causa do bom, do belo e do bem. 

As artes marciais surgiram em templos, com o objetivo nobre não de vencer o outro. A meta é vencer a si mesmo, submetendo e orientando as forças do ego pelas luzes do Self. Como em todo processo iniciático de individuação. Bu-Jutsu, em japonês: a arte do bom combate, de deter a lança da perversidade do inimigo, interior e exterior. Ieshiba-sam, criador do Aikido, o definia como o zen budismo em movimento, onde todos os gestos partem do hara, direcionando-se ao Infinito. O sábio sempre vence porque jamais luta – a luta normótica e vã. Como o wu wei do taoismo, que significa fazer pelo não fazer há uma arte de lutar pelo não lutar...

Como rezava o samurai da poesia sublime, Rabindranath Tagore: Doravante nada mais temerei neste mundo e Tu conquistarás a vitória em todas as minhas batalhas. Deste-me a morte por companheira e hei de coroá-la com a minha própria vida. Tua espada encontra-se comigo, para cortar as minhas amarras e nada mais temerei neste mundo.

Neste tempo numinoso, de horrores, tremores e louvores no Parto de uma Nova Consciência, é consolador constatar que são os arquétipos gloriosos da Grande Mãe, da Criança Divina e dos Anciãos dos Dias que ditarão a palavra final, entoando um só Aleluia, louvor ao Ser que É. Assim sendo, em marcha! Bom combate! Sem se esquecer de sorrir e de se divertir entre um golpe e outro...

Autor: Roberto Crema

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